A nova cara da Escola Biblica

Domingo pela manhã. A mãe acorda cedo, prepara o café. Acorda os filhos, que reclamam — afinal, domingo é a oportunidade de dormir até mais tarde! Logo a família está toda reunida. Tomam café apressadamente. Cada um pega sua apostila e sua Bíblia.  
Rumam para a igreja, ainda sonolentos. É dia de escola bíblica. Separados em salas ou grupos todos vão estudar a Palavra.

Essa história pode ser a de qualquer evangélico que tenha freqüentado uma igreja desde três de novembro de 1793, quando o jornalista inglês Robert Raikes, preocupado com delinqüência de meninos que freqüentavam as ruas da cidade de Gloucester, no sul da Inglaterra, resolveu reunir crianças e adolescentes aos domingos para estudar não somente a Bíblia como também disciplinas seculares como matemática, história e língua inglesa.

Embora a idéia de estudar a Palavra de Deus remonte a época dos primeiros cristãos, passando por Lutero e Calvino, esse fato histórico é o marco da escola bíblica moderna. Com a crescente secularização do ensino público, as igrejas cederam espaço para o Estado na educação formal. Entretanto, o ensino religioso ficou a cargo das igrejas e tornou-se tão importante que logo se espalhou pelo mundo inteiro através de missionários britânicos e norte-americanos.

Hoje, mais do que uma tradição evangélica, a Escola Bíblica Dominical (EBD) se tornou uma verdadeira indústria que provê material didático para milhões de cristãos espalhados pelo mundo inteiro. Sem sombra de dúvidas, a denominação que mais atua nesta área no Brasil é a Assembléia de Deus. Com 80 anos de experiência na elaboração, produção e distribuição para EBD, a Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD) é a maior editora do país com foco neste segmento. "Hoje prestamos serviços como consultoria, treinamento de professores e seminários avançados à igreja", afirma o diretor-executivo Ronaldo Rodrigues de Souza.

Além de uma farta literatura de apoio técnico-pedagógico, a CPAD mantém uma revista de orientação ao professor, a Ensinador Cristão, e publica as duas bíblias mais utilizadas em EBD no Brasil: A Bíblia de estudo pentecostal e A Bíblia de aplicação pessoal. Para este ano, a CPAD prepara o lançamento da A Bíblia devocional, de Max Lucado; o Guia do leitor da Bíblia; o Comentário bíblico de Beacon, uma obra de 10 volumes que comenta a Bíblia de Gênesis a Apocalipse; e Os pais da Igreja, sobre os primeiros teólogos do cristianismo. Todos os produtos focados em EBD e seminários.

Mudança de rumo
De acordo com a presidente da Universidade da Família (UDF), Márcia Yoko Nishimura, a substituição da EBD tradicional por grupos de discipulados, células e grupos caseiros ocorre por que tanto adultos quanto crianças atualmente querem um grupo de estudo que seja mais interativo, participativo e, principalmente, que tenha mais relacionamento entre os participantes do grupo. "O modelo que tínhamos de EBD há 20 anos era mais do estilo expositivo. Hoje, poder abrir o coração, chorar ou se alegrar, orar em grupo, é diferente de somente assistir a uma aula expositiva. O uso da música, dança, teatro, esportes, dinamizaram e mudaram o estilo de aprendizado das crianças", diz Nishimura. No entanto, ela avisa: "a nova maneira de ensinar as crianças não é necessariamente mais eficiente que a tradicional EBD".

Mas essa mudança de perfil seria o fim da escola bíblica aos domingos? A UDF, organização que oferece cursos como Casados para Sempre e Veredas Antigas e material didático voltado para famílias cristãs, aposta em formatos diferenciados de ensino bíblicos, de preferência ministrados nas casas para grupos de dez a 12 pessoas. "Com os novos materiais que temos hoje, podemos ter excelentes resultados. A escola dominical pode ser atrativa e interativa da mesma forma que outros grupos. Tudo depende da liderança, do planejamento e do investimento. A Igreja deve atuar com o máximo empenho, independentemente do estilo escolhido", enfatiza Nishimura.

Nessa mesma linha de raciocínio segue a diretora da distribuidora e editora Socep, Zezina Soares Bellan. "As pessoas mudaram. Estamos vivendo outro tempo. Mas creio no poderoso instrumento de ensino da Palavra de Deus, que é a EBD. É necessário adaptar a forma para transmitir hoje a essência do Evangelho", diz. Otimista, Zezina vê nestas mudanças uma oportunidade para aprofundar o ensino religioso. "Os grupos são ambientes em que a Bíblia pode e deve ser estudada com mais profundidade. São reuniões assim que propiciam a discussão e a curiosidade sobre as Escrituras".

Crescimento e qualificação
Pode se enganar, no entanto, quem acha que os novos modelos de ensino religioso, concentrado em grupo caseiros, tem afetado o crescimento da EBD tradicional. Para a chefe do departamento educacional da Editora Central Gospel, Albertina Malafaia, a demanda por material para EBD vem crescendo. Com distribuição também focada nas Assembléias de Deus, Albertina informa que "isso tem acontecido porque os líderes da denominação têm demonstrado maior apoio e mais interesse pela educação cristã nas igrejas". Entretanto, ela observa o avanço de grupos de estudos nos lares como uma forma de driblar dificuldades logísticas. Acontece que, mesmo nestes casos, os materiais didáticos tradicionalmente usados na EBD continuam sendo adotados.

Cláudio Marra, editor-chefe da editora Cultura Cristã, "é importante não se adotar fórmulas prontas acriticamente, novas ou velhas". De fato, um grande número de novas denominações evangélicas preferem não adotar o modelo tradicional de EBD. "Mas há muitas igrejas que reconhecem o seu valor e procuram dinamizá-la. São cada vez mais exigentes com o material didático de apoio", avalia. Com vistas a este novo consumidor a Cultura Cristã vem investindo na qualificação do seu material, com um currículo elaborado por educadores. O objetivo, segundo Marra, é criar material com uma linguagem contemporânea. "Como em todas as faixas etárias, valorizamos sempre a aplicação prática, conscientes de que o aluno precisa saber reagir emocionalmente e agir de acordo. Visamos o ser integral", afirma.

Entusiasta da EBD, o pastor José Humberto de Oliveira, editor-assistente da editora Cristã Evangélica, acredita que escolas bíblicas e grupos de estudos devem conviver entre si. "Penso que uma coisa não exclui a outra. Se uma igreja local ou denominação adota reuniões em lares como seu principal momento de estudo bíblico, é uma opção que se deve respeitar, não necessariamente uma mudança a ser adotada por todos", diz. Oliveira chama a atenção para outro aspecto importante da EBD. Temos de levar em consideração as crianças. Quantas crianças freqüentam regularmente as reuniões noturnas nos lares?", indaga. E continua: "concordo com o que Paulo Freire afirmou: ‘ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção’". Seja na igreja, em casa ou na escola.


Fonte: Consumidor cristão[/align]


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