A Parábola do Rico Insensato

Gary Inrig

Certa vez, o Senhor contou para um grupo de fariseus, descritos como pessoas “que amavam o dinheiro” de que “aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus” (Lucas 16.15). Sem dúvida, nós valorizamos os frutos de uma vida próspera e com sucesso. Será que Jesus detesta aquilo que nós aspiramos? Ele tem uma forma bastante dolorosa de provar o sistema nervoso central das nossas vidas. Na parábola do rico insensato (Lucas 12.13-21), Jesus força todos nós a enfrentarmos algumas perguntas a nosso próprio respeito.

Jesus Prova o Coração
Quando Jesus se dirigia a Jerusalém, grandes multidões o cercavam. Lucas nos fala que “tendo-se juntado uma multidão de milhares de pessoas, ao ponto de se atropelarem umas às outras, Jesus começou a falar” (Lucas 12.1). Ao mesmo tempo, os Seus inimigos começaram a “opor-se fortemente a ele e a interrogá-lo com muitas perguntas, esperando apanhá-lo em algo que dissesse” (11.53-54). Nesse contexto de aclamação popular e profunda hostilidade, o Senhor conclamou os Seus discípulos a um testemunho ousado e intrépido, a Seu favor (12.1-3).

Um dos homens na multidão tinha pouco interesse em tais questões. Ele tinha vindo com um problema familiar que estava relacionado a uma herança. Aparentemente, ele era o menor de dois irmãos. Segundo a lei judaica, o seu irmão mais velho teria sido ambas as coisas – o testamenteiro da propriedade e o maior recebedor da herança e normalmente tentaria manter intacta a propriedade. Mas este não era o plano do irmão mais novo. Ele queria o seu próprio dinheiro para usá-lo como ele quisesse.

Como era comum trazer casos de contenda da lei a um rabino com credibilidade, ele desabafou a sua preocupação a Jesus: “Mestre, dize a meu irmão que divida a herança comigo” (v.13). As suas palavras são reveladoras. Ele não pede para o Senhor julgar a questão mas colocar-se do seu lado e prover argumentos contra o seu irmão. Assim como muitos naquela época, ele queria usar a Jesus para conseguir os seus desejos financeiros.

O Senhor se negou a tomar tal posição: “Homem, quem me designou juiz ou árbitro entre vocês?” (v.14). Jesus não tinha uma posição legal, como um rabino com credenciais, para ser envolvido em tais casos. Mas acima de tudo, esta tarefa fazia parte da Sua missão divina. Como Leon Morris observa: “Ele veio para conduzir os homens a Deus e não a propriedade ao homem” (O Evangelho Segundo St. Lucas, p.212).

Esta é uma verdade importante a ser adotada quando alguns nos ensinam que os crentes podem e deveriam esperar que o Senhor providencie bem-estar físico e prosperidade. Mesmo que este homem estava sendo tratado injustamente pelo seu irmão, conseguir os seus direitos talvez não teria sido bom para ele. Aqui está envolvida uma questão mais profunda e um perigo maior do que ser injustiçado por causa de uma herança.

Trata-se do perigo que o Senhor tinha em mente quando se voltou do homem e se dirigiu às multidões: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens” (v.15).

As palavras iniciais: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso!” coloca a mensagem do Senhor numa luz de neônio. Esta não é uma possibilidade abstrata ou uma preocupação teórica. O que Jesus tinha em mente não era um simples pecado, mas um pecado sério, embora sutil. Alguns pecados estão claros e possíveis de se reconhecer e os evangélicos são rápidos em caracterizá-los como maus e condenam a participação nos mesmos. Raras vezes, vemos a ganância como um pecado horroroso. Mas notavelmente, Jesus nunca admoestou sobre o adultério ou a embriaguez em termos assim dramáticos como Ele o fez aqui, contra a cobiça. O termo ganância significa simplesmente: “um desejo consumista de ter mais”. Ele tem a nuança de uma busca por mais, um desejo de aquisição. É totalmente o contrário do contentamento que acompanha a verdadeira piedade (1Timóteo 6.6). Alguém certa vez perguntou a John D. Rockefeller quanto dinheiro era o suficiente. Ele respondeu: “Um dólar a mais”. O ‘animal’ da ganância nunca está satisfeito. É insaciável.

Entretanto, nós erramos o alvo se vemos a cobiça como uma questão de quantidade e não de atitude. O mais pobre pode ser cobiçoso; o mais rico pode evitar a ganância. Mas o perigo das possessões é que elas, muitas vezes, despertam o desejo por mais.

Ivan Boesky, que foi para a prisão e pagou uma multa de U$ 100 milhões por comércio ilegal, alguns anos antes era a pessoa mais bem-quista do Wall Street. Durante este tempo, ele declarou numa cerimônia de formatura, numa grande Universidade: “A ganância não faz mal. Eu quero que saibam que a cobiça é saudável. Você pode ser cobiçoso(a) e ainda sentir-se bem a seu próprio respeito”. Como um jornal mais tarde comentou: “A coisa mais estranha quando olhamos para trás não é somente o que Ivan Boesky pôde dizer a um grupo de formandos em comércio – mas que foi saudado com risos e aplausos” (Newsweek, 1 de dezembro, 1986).

Mas a cobiça não é uma questão de riso. Na verdade, ela é idolatria (Colossenses 3.5). O Senhor não deixou dúvidas quando Ele disse: “A vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens” (Lucas 12.15). Somente Deus é a fonte da vida; somente Deus controla a vida; somente Deus dá a vida.

Jesus Descreve o Problema
O Senhor não se contentou em dar-nos uma admoestação abstrata. Na parábola do rico insensato, Ele nos apresentou a um do primeiro século.

E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus

A riqueza, muitas vezes, conduz a mais riqueza e a sua riqueza lhe deu a possibilidade de possuir uma terra que produziu uma grande safra. Parece não haver nenhuma crítica no fato daquele homem ser rico, nem na sua forma de alcançá-la ou de produzir mais. O decisivo é o que ele fez com isso. Mesmo então, o crucial não foram os seus atos mas a sua presunção. Dando-lhe o devido valor, o fato de construir celeiros maiores foi uma decisão sábia e pragmática. Todavia aqui está justamente a pergunta: Quais eram os seus valores?

Nós podemos resumir o seu ponto de vista com diversas frases que se repetem através dos anos:

□ “Se eu não faço algo de bom para mim mesmo, quem o fará?”
□ “O sucesso com as possessões mostra que eu sou um sucesso, como pessoa”.
□ “Quanto maior o celeiro (ou carro ou casa), tanto melhor será a vida”.
□ “Se o dinheiro não pode comprar a felicidade, pelo menos pode comprar prazer e segurança”.

Mas em um só momento, a sua ‘bola de mascar’ estourou. Deus pronunciou a Sua sentença não somente na vida do rico insensato, mas o faz em toda a vida que está baseada na cobiça: “Insensato! Esta mesma noite a sua vida lhe será exigida. Então, quem ficará com o que você preparou?” O diagnóstico do Senhor foi implacável quanto à Sua honestidade e reveladora quanto ao seu discernimento.

Três coisas se destacam aqui:

1) Ele era um insensato, não um sucesso.
É quase certo que aos olhos da comunidade, era um homem invejado por muitos. Aos olhos de Deus, ele era um insensato, a ser lamentado. O termo insensato na linguagem bíblica não é uma descrição de uma habilidade mental mas de discernimento espiritual. Na linguagem dos Salmos e Provérbios, no Antigo Testamento, um insensato é um indivíduo que faz escolhas como se Deus não existisse e que vive como se Deus não tivesse falado. Ouvimos onze vezes “eu” e “meu” nas palavras deste homem. Para todos os efeitos, Deus não existe.

2) Ele era um servo, não um mestre.
O homem rico estava convencido que ele tinha o controle da sua vida e que a riqueza lhe dava este controle. Mas as palavras que Deus falou a ele deixaram claro que ele não tinha poder sobre o presente: “Esta mesma noite a sua vida lhe será exigida”. A palavra exigida era um termo comercial usado para um empréstimo. Neste ponto crucial, ele descobriu uma verdade que todos aprendem mais cedo ou mais tarde: Deus é o dono da vida e Ele simplesmente empresta a nossa existência terrena para nós. A qualquer hora, Ele pode exigir o Seu empréstimo.

O homem insensato também não tinha poder sobre o futuro: “Quem ficará com o que você preparou?” Como o escritor de Eclesiastes lamentou: “Desprezei todas as coisas pelas quais eu tanto me esforçava debaixo do sol, pois terei que deixá-las para aquele que me suceder. E quem pode dizer se ele será sábio ou tolo?” (Eclesiastes 2.18-19).

3) Ele era um homem pobre, não rico.
No momento da verdade, o fazendeiro rico compreendeu que havia trabalhado tanto por tão pouco. Ele havia investido no que é transitório e não no que é permanente. O que faz com que a morte seja difícil é a avaliação do que perdemos com a mesma. Este foi um homem que deixou tudo para trás: os celeiros que havia construído, as pessoas que tinha controlado, o prestígio que havia conseguido. A morte o despiu totalmente e revelou quem ele era, um homem que “guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus” (v.21).

Esta última afirmação deveria levar cada um de nós a perguntar a si mesmo(a): “Sou insensato(a) aos olhos de Deus? O que seria dito da minha vida?” As palavras a seguir, de Jim Elliot, merecem uma consideração cuidadosa: “Aquele não é um insensato que dá o que não pode ficar para si, a fim de ganhar o que não pode perder”.

Existe um outro tipo de insensatez que o Senhor quer que reconheçamos. Ele descreveu o homem insensato da parábola como alguém que diz: “Deus não importa” e “Nunca podemos ter demais”. O poder das possessões consiste em que elas nos dão um sentimento de controle. Mas os discípulos enfrentam uma outra loucura, aquela que diz: “Deus não se importa”. Estamos inclinados a crer que se seguimos a todas as nossas possessões, não teremos o suficiente.

Jesus Apresenta a Alternativa
Lucas deixou bem claro que as palavras dos versículos 22-34 não foram dirigidas à multidão, mas aos discípulos. Há uma implicação aqui de que a preocupação é um dos pecados que assedia os seguidores de Cristo. A razão não é difícil de descobrir. O discipulado tem suas exigências. Obedecer ao chamado significa confiar totalmente em Cristo, mas quais são as implicações desta obediência? Perguntas financeiras assomam em grande escala. Se eu digo adeus à todas as minhas possessões, será que o Senhor realmente suprirá todas as minhas necessidades? A minha mente me assegura que sim, mas o meu coração não está tão seguro disto. O escritor de Provérbios, o descreveu desta maneira: “O coração ansioso deprime o homem” (Provérbios 12.25). Este é um fato que se comprova fisicamente. Como alguém certa vez observou, as pessoas adquirem úlceras não tanto por causa do que comem, mas pela preocupação que os consome. A ansiedade também rouba a paz emocional e remove a certeza espiritual.

Dizer-nos que não devemos nos preocupar, não é de grande ajuda. Pessoas que nos dizem isto geralmente não são realistas, pouco informadas ou têm espírito de superioridade. O Senhor nos força a pensar por quê não devemos nos preocupar. Primeiro, ele disse que a preocupação é imprudente (Lucas 12.22-24). Significa cair na loucura do homem insensato que acreditou que a sua vida consistia das suas possessões. Mas a vida é mais do que comida e roupas e Deus nos prometeu que cuidaria de nós, muito mais do que o cuidado que Ele tem pelas Suas criaturas, os pássaros. Preocupar-se é esquecer que somos os filhos valiosos de Deus e que Ele é nosso Pai amoroso.

Segundo, a preocupação é fútil (12.25-28). A preocupação pode encurtar a vida – mas não pode aumentá-la. E Deus, que dá beleza aos campos, não nos abandonará. A ansiedade nega o cuidado de Deus e sem nenhum efeito. Assim, a alternativa não é ser descuidado(a) – mas confiante. Um pouco de reflexão nos ajuda a reconhecer que a maioria das preocupações se referem a coisas que não podem ser mudadas (do passado), coisas que não podemos controlar (no presente) e coisas que talvez nunca vão acontecer (no futuro). Por isso, é muito melhor nós confiarmos em Deus!

Terceiro, a preocupação é falta de fé (12.29-31). Se deixar absorver com necessidades físicas e pessoais é, em última instância, ser capturado(a) pela falta de fé. Se o Evangelho realmente é verdadeiro, nossas vidas deveriam ser qualitativamente diferentes da vida dos pagãos.

Em seu livro Run Today’s Race, Oswald Chambers observa que “toda a nossa aflição e preocupação é causada por fazermos cálculos, sem Deus”. A preocupação é o produto de uma compreensão inadequada do nosso Pai. Ele é Aquele que sabe, que cuida e que age. A maneira como olhamos para Deus determina a forma como vamos olhar para a vida, e isto vai determinar sobre o que nos preocupamos.

A nossa grande necessidade é a de nos preocuparmos a respeito da coisa certa. Do que se trata? “Busquem, pois, o Reino de Deus”. Não podemos nos abster da preocupação. Mas nós substituímos aquela preocupação, que deveria ser a principal, pela preocupação com coisas secundárias. Somente o Seu Reino é digno de preocupação.

O sentimento gêmeo da ansiedade é o medo e o Senhor se referiu ao mesmo nos versículos 32-34. Ele nos admoestou a agir de forma drástica com os nossos recursos financeiros e nossas possessões pessoais. Não devemos segurá-los, nem confiar neles. Mas devemos dispor deles, fazendo investimento eternos. Na verdade, a única forma pela qual podemos realmente proteger os nossos tesouros é investi-los no céu. Os nossos corações seguem nossos tesouros – e se estes tesouros estão no céu, nossos corações também estarão ali. Como David Gooding escreve: “O céu raras vezes é uma realidade para um homem que não está preparado para fazer grandes investimentos nele e nos seus juros; mas se torna mais uma realidade para o homem que está interessado nisto” (Segundo Lucas, p.241).

A questão crucial na vida não é a quantidade dos nossos tesouros, mas onde estão localizados. Os tesouros do homem rico estavam na terra. Ele foi um insensato porque construiu a sua vida ao redor do que não iria durar e realmente não importava. Nosso chamado como um discípulo é o de sermos ricos para com Deus e ter um tesouro no céu que não se extinguirá. D. L. Moody disse certa vez: “Não precisamos muito para descobrir onde está o tesouro de um homem. Numa conversa de 15 minutos com a maioria dos homens, você pode saber se os seus tesouros estão na terra ou no céu”.

Ninguém quer ser chamado por Deus de insensato. Como podemos nos assegurar de que isto não vai acontecer? Devemos escolher limites, não luxo, de maneira que podemos investir nosso tesouro no céu. Podemos cultivar compaixão – não ganância. Mas acima de tudo, podemos exercitar a confiança em Deus, não no dinheiro.

O slogan: “Nós confiamos em Deus” está impresso no dinheiro americano. Palavras bonitas, mas será que confiamos em Deus quanto ao nosso dinheiro ou com o nosso dinheiro? Um amigo, escrevendo sobre os seus precários recursos financeiros numa época de crescentes necessidades, disse: “Se nós afundarmos, não iremos fritar ‘tio’. Mas nós clamaremos ‘Pai’ para Aquele que conhece todas as nossas necessidades e possui todos os recursos”. Tal pessoa aprendeu a sabedoria de Deus.


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