A CRIANÇA FALANDO DE LIMITES

Quando fui gerado, cresci numa bolsa, dentro de minha mãe. Nós dois construímos um cordão que nos ligava. Eu não percebia que este espaço era tão pequeno; no início, tinha impressão que o universo era só meu.
Conforme fui crescendo, fui sentindo os limites.
Minha mãe logo percebia quando eu me mexia. A minha vontade era tomar conta de todo o seu corpo, mas eu não podia porque eu não era ela; eu era um ser distinto, para o qual foi reservado somente aquela bolsa.
Quando nasci, este espaço aumentou. Confesso que me senti um pouco perdido e comecei a chorar. Embora eu tivesse muito mais que uma bolsa para onde estar, surgiu o primeiro limite deste “espação”: eu teria de, naquele minuto, aprender a respirar. Por isso chorei. Chorando, meus pulmões começavam a aprender como teriam de fazer para deixar o ar entrar. Minha mãe não respirava mais por mim. Que saudade daquela bolsa!
Esta saudade não durou muito, pois logo o “espação” passou a ser delimitado. Puseram-me no colo, num berço, dentro de roupas, e comecei a me sentir mais seguro.
Em pouco tempo percebi que minha mãe não se alimentava mais por nós dois e novamente coloquei o chorador para funcionar, pois meu corpo me avisava que eu precisava me virar. A partir daí vieram os horários, e eu comecei a aprender que nem tudo é como a gente quer, na hora que quer e na quantidade que quer.
Fui crescendo, embora com todos esses limites, e continuei achando que o espaço grande e eu éramos a mesma coisa. Então fui aprendendo a resistir às limitações que a vida começava a me ensinar: não queria comer na hora de comer; queria comer somente os doces; não queria tomar banho; não deixava que cortassem as minhas unhas; queria o brinquedo maior, mais colorido e, se desse, um monte deste brinquedo de uma só vez.
Tinha a sensação de que eu controlava tudo. Meus pais, no entanto, não deixavam o controle na minha mão. Isto deu certo alívio, já que conheço um amiguinho que ficava com o controle e sofria muito; seu “espação” foi ficando cada vez maior, e ele tinha tudo o que queria, mas tinha um “baita” medo de, tão pequenininho, não dar conta daquela imensidão.
Eu chorava quando os meus pais me ensinavam, mas, como acontecia no meu bercinho, o choro me ajudava a entender mais um pouquinho desta vida.
Mais velho um pouco, não precisava mais chorar constantemente, pois aprendi a falar e logo usava esta aprendizagem para persuadir os meus pais. Eles não se deixavam enrolar e iam a cada dia mostrando que os limites nos ajudam a nos tornarmos humanos.
Meu amiguinho, aquele de quem falei há pouco, foi ficando cada vez mais “bicho”. Ele gritava muito, jogava-se no chão, chorava, batia, dava chutes e, no final, ele conseguia romper os tênues limites que lhe eram colocados e continuava com o controle nas mãos.
As pessoas não gostavam muito deles e começavam a chamá-lo de uns nomes difíceis, mas que queriam significar que ele não estava crescendo: Egoísta! Bobalhão! Chato! Insuportável! Cada vez que ele ouvia uma palavra destas, achava que isto é que era o correto e passava a fazer mais má-criações para fazer jus ao rótulo que lhe estavam dando.
Coitado! Com tanta coisa e sem paz. Á noite, dormia agitado; acho que também chutava os sonhos. De dia, não enxergava um passo diante do nariz.
Eu aprendi que, para ver “para além” de nós mesmos, é preciso encontrar obstáculos, pois estes fazem com que possamos buscar saídas e olhar para os lados, para frente e para trás. O que muita gente acha que é ruim, como um “não” na hora que queremos muito alguma coisa, é o que vai manter acesa a chama do desejo e vai, certamente, fazer com que possamos encontrar formas mais adequadas de obtermos o que queremos. Este esforço que fazemos para romper barreiras é o que provoca nosso crescimento emocional e cognitivo.
Acho que é por isso que eu estou aprendendo as coisas tão rapidamente na escola, pois meus pais me ensinaram que o “não” é algo que faz parte da nossa vida. Já o meu amiguinho está tendo muitas dificuldades; não aceita as regras existentes, pois sua vida foi sempre de satisfações imediatas.
Fico pensando que, quem tem tudo o que quer, na hora que quer, apaga a chama do desejo, não precisa mais de nenhum esforço e, assim, não cresce.
Já imaginaram alguém sem desejo? Eu penso que este alguém se torna insaciável, já que não precisa buscar, esperar, está sempre engolindo coisas, como elas vêm. E quem consegue aprender, alimentar-se, engolindo sem mastigar, sem digerir, sem selecionar o que é bom e precisa permanecer além daquilo que se pode deixar de lado?
Por isto, agora que estou bem maior, entendo que limites na dose certa não nos fazem sofrer. Pelo contrário, permitem que aprendamos a lutar por aquilo que desejamos, aprendendo a ficar forte para enfrentar as dificuldades e aprendendo a contra-argumentar para que os limites não se tornem rígidos demais e impossíveis de ser flexibilizados caso precisemos.
Por isso, pais de todo o mundo, não deixem de colocar limites nos seus filhos, pois é assim que vocês estarão possibilitando que eles se tornem verdadeiros cidadãos e seres mais humanos.


Laura Monte Serrat Barbosa in Páginas Abertas. Paulus. 2004. Número 20. pp. 18 e 19


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