A Cabrinha Branca

Conta-se a história de um homem que morava em um belo vale cercado por lindos campos de verdes pastos, banhados por um caudaloso e manso rio de águas cristalinas.

Para cada lugar em que se voltasse os olhos, era vista uma exuberante paisagem, digna de ser cartão-postal: árvores altivas que erguiam-se pela encosta de uma colina; uma alta cachoeira a refletir em cada gota d’água os raios do sol; passarinhos dos mais variados tamanhos, cantando os mais melodiosos sons e flores exóticas, das mais diversas cores, com os mais inusitados perfumes. Tudo era extremamente belo.

Porém, o que chamava mais a atenção dos espectadores, não era a cachoeira de beleza ímpar; nem os passarinhos com os seus melodiosos cantos; nem mesmo as flores de rara beleza mas sim uma grande montanha que se erguia altiva e imponente. Aquela montanha era o alvo dos mais diversos olhares devido à sua forma exuberante, coberta de pinheiros e outras árvores frondosas, que, juntas, formavam m cenário inesquecível.

Mas era quando o sol começava a declinar, ficando de um vermelho rubro, que a montanha era realmente bela. O sol ia se pondo atrás da montanha, tingindo o céu, as nuvens e as árvores de um rosa vívido e fulgurante, formando um espetáculo tão belo, que a pessoa mais hábil com as palavras seria incapaz de descrever.

E era em meio a esta beleza toda que ficava o vale, onde se erguiam três humildes construções: Uma simplória casa, um humilde galpão e uma estaca.

O homem que morava naquela casa chamava-se Séguin. Seu Séguin, como a maioria das pessoas de bom coração, gostava de criar animais. O animal que ele mais apreciava criar era as cabras.

Como todos sabem, as cabras são diferentes das ovelhas, pois são vivas e saltitantes, e devoram tudo quanto acham: folhas, raízes e ramos. São brincalhonas e fiéis amigas de seu pastor.

Talvez seja este o grande motivo que levava o seu Séguin a criar Cabras. O certo era que o seu Séguin as amava e estava disposto a dar a vida por elas. E ele as criava amarradas à estaca, que se erguia no meio do vale.

Porém, o seu Séguin não era feliz criando cabras. A imponente montanha as atraía tal como o imã atrai o ferro. Nem mesmo o medo dos lobos ferozes que haviam na montanha, e nem os constantes afagos de seu Séguin faziam com que as cabras se contentassem com os verdes pastos do vale.

Todas elas acabavam sempre da mesma forma: um belo dia, arrebentavam a corda que as prendiam à estaca e fugiam saltitantes para a montanha, onde eram comidas por lobos. Mas o seu Séguin decidiu comprar cabra, disposto a cuidar dela como de nenhuma outra, pois já era a sétima..

A cabra que o seu Séguin comprara era muito bonita. Ela tinha os olhos bem pretinhos e umas barbichas espichadas. Ela tinha reluzentes cascos pretos, chifres muito grandes e bem compridos e um pelo todo branquinho, que parecia-se com a neve, devido a sua brancura. Seu nome era Branquinha.

O seu Séguin amarrou-a por um pé à estaca, na parte mais bela do campo. Soltou muita corda, e sempre vinha ver se a sua cabra branquinha estava bem. Ele chegou até a pensar que Branquinha nunca iria querer fugir. Mas se enganou.

A sua cabra logo se aborreceu de viver presa a uma estaca. A montanha a atraía com as suas cores e formas, prometendo liberdade, que era o que ela tanto queria.

A cabrinha olhava a montanha e dizia:

- Como deve ser bom lá em cima! Que prazer poder saltar por entre aquelas árvores sem esta maldita corda me prendendo. Pastar amarrado é bom para burros. As cabras precisam de amplidão. Da amplidão que só uma montanha oferece.

Seus olhinhos brilhavam quando olhava para a montanha, imaginando-se saltar entre as colinas e árvores.

E assim, ela foi se entristecendo. Dava pena vê-la contemplando a montanha e berrando tristemente: mé, mé, mé...

Um dia, ela reuniu coragem e disse para o seu Séguin, lá na sua língua, o seguinte:

- Seu Séguin, deixe-me ir para a montanha.

- Ah, mas era só o que me faltava, disse o homem.

Depois, sentando-se na grama, ao lado da cabrinha, o homem disse:

- Mas como, Branquinha, você quer me deixar?

E Branquinha respondeu:

- Sim, seu Séguin. Não é nada pessoal, mas eu quero ir para a montanha.

- Mas, Branquinha, replicou ele, aqui tem lhe faltado pasto, amor e carinho?

- Não, se Séguin. Não é isto.

- Mas então, o que você quer?

- Eu quero ir para a montanha. Lá eu serei feliz.

- Mas Branquinha, você não sabe que tem lobos ferozes que vivem lá?

- Mas eu vou lhes dar marradas, seu Séguin, e os afastar!

- Os lobos vão rir das suas marradas. Já me comeram outras com os chifres maiores do que os teus... Lembra-se da Esmeralda? Ela era uma forte cabra e má como um bode. Lutou toda a noite com um lobo e o lobo a comeu pela manhã.

- Pobre Esmeralda! Mas me deixe ir para a montanha seu Séguin.

Seu Séguin pensou consigo: Esta será mais uma que os lobos vão comer. Não! Eu vou salvá-la, mesmo que ela não queira.

E, seu Séguin levou a cabra para o curral, fechando bem a porta, para ela não fugir. Ele deu até duas voltas na chave para a cabra não escapar.

Infelizmente, ele se esqueceu de uma janela que estava aberta, e que Branquinha traspassou num pulo.

Quando ela se viu livre, saiu saltitando em direção à montanha. Quando lá chegou, foi uma grande admiração. Nem mesmo os velhos pinheiros tinham visto uma coisa tão bonita! Receberam-na como a uma pequena rainha.

Os castanheiros abaixaram-se até ao chão para a acariciarem com a ponta de seus ramos. As samambaias se abriam à sua passagem e as flores abriam-se o mais que podiam para perfumarem o ar que a cabrinha iria respirar. Enfim, toda a floresta festejava a sua chegada à montanha.

A cabrinha branca espojava-se de pernas para o ar, embrulhada pelas folhas caídas. E, derrepente, levantava-se de um salto sobre as quatro patas e disparava a correr, aparecendo algumas vezes no pico de um monte, outras no fundo de um barranco, ora lá em cima, ora lá em baixo, por toda a parte. Podia-se dizer que haviam dez cabras do seu Séguin na montanha, de tanto que Branquinha corria.

É que Branquinha não tinha medo de nada. Com apenas um salto ela transpunha as grandes torrentes de água que salpicavam uma poeira úmida de espuma. E então, toda a pingar, ia estender-se numa pedra plana a secar-se ao sol.

Uma vez, ela avistou, lá embaixo, a casa do seu Séguin. E quem quiser saber o que ela disse rindo, é só perguntar às árvores tagarelas.

Enfim, foi um dia feliz para Branquinha. Lá embaixo, ela podia ver os campos mergulhados na neblina. Repentinamente, o vento refrescou, e tudo tingiu-se de rosa. Era a tarde que declinava e a noite que chegava.

Da cozinha do seu Séguin, só se via o telhado de onde se via um fio de fumaça saindo. Branquinha ouviu os berros de um rebanho que era recolhido e sentiu uma tristeza muito grande. Um gavião que retornava para um ninho próximo, tocou-lhe com as suas asas. Ela estremeceu. Uivos de lobos começaram a ser ouvidos. Só então ela realmente pensou nos lobos.

Lá embaixo, o seu Séguin a chamava piedosamente. Branquinha sentiu desejos de voltar, mas lembrou-se da estaca, da corda e resolveu ficar.

Mas um barulho em uma moita próxima, fez Branquinha tremer de medo. Quando viu duas orelhas curtas, muito retas, seguidas de dois olhos brilhantes, como se deles saíssem fogo, ela só teve uma certeza: era o lobo.

Enorme e imóvel, sentado sobre as duas patas traseiras, olhava para a cabrinha branca. Era o lobo e tinha a certeza de que a iria comer e não se apressava, pois já sabia que era outra cabrinha do seu Séguin, e como todas as outras, esta também seria comida.

Branquinha sentiu que estava perdida. Ela só se lembrava da história da velha Esmeralda que havia lutado com o lobo a noite toda para ser comida ao amanhecer. Ela sabia que ao amanhecer, o seu Senhor viria procurá-la. Ela só tinha que agüentar até lá.

Então, o lobo avançou e os chifrezinhos de Branquinha entraram em ação. Mas como Branquinha era valente! Como ela se batia com coragem! Mais de dez vezes ela forçou o lobo a recuar, e assim foi a noite toda.

De tempos em tempos, ela via as estrelas dançarem no céu claro, e pensava: - contanto que eu resista até ao romper da alva, o seu Séguin vem me ajudar. Ele vem me resgatar.

As estrelas começaram a sumir-se uma a uma. Depois uma luz pálida brilhou no horizonte. Ouviu-se ao longe o cantar do galo.

- Enfim, disse ela, já não posso mais! Acabaram-se as minhas forças.

Dizendo isso, deitou-se no chão com a sua bela pelica branca manchada de sangue. E o lobo, vendo que ela havia desistido de lutar, lançou-se sobre ela, mas uma pedra atirada em sua cabeça, fê-lo recuar e dar um grito de dor.

Quando ia avançar novamente sobre a sua presa, o seu Séguin surgiu por detrás de uma moita de capim, bem perto dele e lhe deu uma paulada no meio da cabeça, que fez com que fugisse imediatamente.

O encontro do seu Séguin com a sua cabra branca, foi algo maravilhosos. Ele a tomou em seu braços, dizendo carinhosamente:

- Cabrinha marota! Não quis me ouvir? Felizmente, o seu dono é um bom dono de cabrilhas e passa toda a noite a vigiá-la contra o lobo.

Dizendo estas poucas palavras, levou Branquinha para casa e tratou de suas feridas. Branquinha nunca mais quis fugir do seu pastor. Ela o amou muito.

Seu Séguin comprou muitas cabrinhas que não quiseram mais fugir, pois a todas que mostravam este desejo, Branquinha lhes mostrava as suas feridas e dizia como o lobo era terrível.

E assim viveu o seu Séguin feliz com as suas cabrinhas.


MORAL DA HISTÓRIA: Esta história relata a relação que muitos tem com o seu pastor. Elas querem fugir da estaca (igreja) para a montanha (o mundo) e tudo o que ela oferece. Muitas vezes, não tem tempo e são comidas por lobos (pecados) vorazes. Mas quando ouvem a história de quem já foi e viu como a montanha realmente é, sossegam no seu canto.

(autor desconhecido)